Não
foi só um beijo, você sempre soube que não seria só um beijo. Foi tocar-te os lábios saciando o nosso desejo.
Ou melhor, o meu desejo de todo coração e alma e o seu de toda alma e corpo. Mas
você sabia. Sabia que me roubava com os olhos a cada palavra a balbuciar
enquanto me fitava. Enquanto eu te fitava, mediante nossos olhares trocados que
pediam excessivamente aproximação. Sempre o quis. E você sempre foi consciente, nunca ouve
omissão.
E
naquela noite, quando a maioridade veio regar-me, você colheu do bem mais
precioso, o meu amor. Sim, o meu amor. Porque isso nunca se tratou apenas de um
mero beijo. Tratava-se das minhas noites de insônia, das minhas ânsias, dos
meus sonhos, da minha admiração, do meu medo e
também da nossa amizade. E o que seria dela após nosso beijo?!
Para
você não se passou de mais um ritual carnal, que todos nós humanos passamos. No outro dia estava tudo “normal”. No meu caso, foi uma bagunça de pensamentos,
de questionamentos quase se transformando em gastrite. E quanto a nossa
amizade, nunca tocávamos no assunto do tal beijo. O beijo ardente, aquele em
que me tacava na parede de um parquinho quase abandonado. Seu perfume em mim,
meu perfume em você. De todos os beijos
aquele foi o melhor: carícias, mordidas, a barba me arrepiando, sussurros no
ouvido, você me empurrava contra a parede com seu corpo definido e nitidamente
torneado, olhávamos o céu estrelado, enquanto algo muito forte acontecia por
ali. Entre você e eu, entre nós.
Mesmo
que não trocássemos palavras sobre nossos atos, eles se repetiram por algumas
vezes, mesmo quando ousamos tentar conversar para que eles não acontecessem,
era mais forte que eu, era mais forte que você. Nunca foi feito algo que não
lhe agradasse, mesmo aqueles beijos roubados após uma longa conversa na sua
sorveteria favorita. Sorveteria favorita
com minhas e suas conversas mais adoradas. Quantos filósofos, sociólogos e
escritores nós não mencionamos, por lá?!
Talvez a atendente deva culpar-se pela enorme quantidade de açúcar, favorecendo
nossa loucura, pintada por sorrisos.
Se
pudesse voltar aos dezesseis anos, não teria beijado aquele cara insignificante
em sua apresentação musical. Naquela
época eu tinha em mente que nunca teria olhos para mim. E ainda não era
completamente louca por você, mas se fosse possível voltar no tempo, não hesitaria.
E passado alguns anos eu o vi encenar um beijo na boca de outra mulher e aquilo
parecia verídico e verossimilhante, mas tive tempo de preparar-me
psicologicamente.
“Eram
só uma, duas, três cenas de ficção”.
Entretanto, bem no fundo eu sempre soube, e você
já sabia que a ficção não duraria por muito tempo, porque como já repeti e inexoravelmente
repetirei, não foi o só um beijo, para mim era um beijo apaixonado. Para você
era um beijo carnal. Era evidente, e com o tempo não havia mais proximidade,
nem ao menos minhas fotos nas redes sociais você curtia ou comentava, o mundo
começou perder a cor para mim. E para você era indiferente.
E
quanto a nossa amizade, pergunto novamente?! Agora ela está completamente mudada, nos vemos raramente, a
última vez que nos vimos foi para
presenciar mais uma encenação, até hoje guardo o papelzinho confesso. Não nos
beijamos vorazmente neste dia, apenas o beijei respeitosamente na testa e nos
envolvemos em um leve abraço, depois ele me observou entrar pelo portão antes
de sumir entre a brisa do vento.
E
quem disse que eu não insistiria?! Tive ao mesmo tempo a ideai mais burra e brilhante,
uma ideia que não contaria a ninguém: enviar uma cesta de café da manhã com um
textinho que falasse sobre nossa amizade, que dissesse o quanto à ausência só
torna tudo mais difícil.
Eu sabia que ele saia com outra garota o que
deixava meu coração aos pedaços. Tentei esquecê-lo é claro. Ele sabia que eu
não era idiota, que eu sabia sobre ela, que sei quem ela é, e que todas as
sextas-feiras que ele mencionava não poder sair, quando éramos em minha cabeça
nós. Hoje ele as divide com ela, sem ao menos uma de suas desculpas esfarrapadas.
E
sobre minha ideia burra e inteligente aqui um fragmento do texto:
Inútil
é o ano luz que vivemos a cada instante.
Inútil
é fazer-se constantemente distante.
Inútil
é doar os sorrisos partilhados,
Aos
Inúteis buracos desalmados.
Pudera
eu pedir que não se vás?
Pudera
eu pedir que a amizade volte ao estado de paz?
Que
Apolo se posicione mais uma vez, em nossas conversas,
E
Vênus junte duas almas: amigas e poetas?
Não
queria perdê-lo, não podia sem ao menos tentar, mas a ideia foi burra, era óbvio
que nada mudaria. Nós havíamos mudado. Foi um ato quase irracional. Achei que seria como um pouco antes do natal, em que entreguei um
ursinho e chocolates, (chocólatra e cinéfilo, com certeza veria um filme
comendo) e ele ficou feliz.
Desta vez, foi diferente ele poderia ter
ficado bravo, ele podia ter sido o pior do mundo e ainda conseguiu ser o
melhor, resgatando aquele ar de melhor amigo, do cara que me mostrava livros na
webcam, que escolhia meus looks para sair ou simplesmente para nos falar mesmo.
E
como ele sempre soube que não foi apenas um beijo, minha ideia burra se tornou
na mais inteligente pós conversa, pois sem ela não teríamos nos aberto um ao
outro. A parte mais linda foi saber que daqui alguns anos, nós dois iremos rir
juntos sobre nossas inconsequências de quando jovens, que ainda me emocionarei
com as palavras dele em alguma sorveteria, ou a mesma sorveteria, e por sermos agora mutualmente sem ilusões ou mentiras: especiais um para o outro e isso ninguém
tira ou muda.
E fico extremamente feliz por ter me
apaixonado pelo meu melhor amigo, porque ele me fez chorar plantando uma
sementinha de sensatez, enquanto outros babacas me fariam chorar após um
despejo de palavras desprezíveis.
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